28/04/2010

Posso Errar?


Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu "errado".
Foi num hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de
ver que tinha deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia nem
shopping num raio de 10 quilômetros. A única opção era usar o dois-em-um
(xampu com efeito condicionador) do kit do hotel. Opção? Maneira de
dizer.
Meus cabelos, superoleosos, grudam só de ouvir a palavra
"condicionador".
Mas fui em frente. Apliquei o produto cautelosamente, enxaguei, fiz a
escova de praxe e... surpresa! Os cabelos ficaram soltos e brilhantes - tudo
aquilo que meus nove vidros de xampu "certo" que deixei em casa costumam
prometer  para nem sempre cumprir. Foi aí que me dei conta do quanto a gente se
esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa
certa, dizer a coisa certa - e a pergunta que não quer calar é: certa
pra quem? Ou: certa por quê?
O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa?
Minha amiga se casou com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete anos.
Levou um mês para descobrir que estava com o marido errado. Ele foi "certo" até
colocar a aliança. O que faz surgir outra pergunta: certo até quando? Porque o
certo de hoje pode se transformar no equívoco monumental de amanhã. Ou o
contrário: existem homens que chegam com aquele jeito de "nada a ver",
vão ficando e, quando você se assusta, está casada - e feliz - com um deles.
E as roupas? Quantos sábados você já passou num shopping procurando o
vestido certo e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e,
na hora de sair para a festa, você se olha no espelho e tem a sensação de
que está tudo errado? As vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas
talvez você se sentisse melhor com uma dose menor de perfeição. Eu
mesma já fui para várias festas me sentindo fantasiada. Estava com a roupa
"certa", mas o que eu queria mesmo era ter ficado mais parecida comigo mesma,
nem que fosse para "errar".
Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar dos
problemas de saúde, ela me respondeu: "Eu sei que está errado, mas a
gente tem que fazer alguma coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem
graça.
Sem entrar no mérito da questão do cigarro, concordo que viver é, eventualmente,
poder escorregar ou sair do tom. O mundo está cheio de regras, que vão desde
nosso guarda-roupa, passando por cosméticos e dietas, até o que vamos dizer
na entrevista de emprego, o vinho que devemos pedir no restaurante,
o desempenho sexual que nos torna parceiros interessantes, o restaurante
que está na moda, o celular que dá status, a idade que devemos aparentar.
Obedecer, ou acertar, sempre é fazer um pacto com o óbvio, renunciar ao inesperado.
O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem
quando constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que pergunta:
"Como assim?! Você não dirige?!". Com toda a calma, ele responde: "Não,
eu não dirijo. Também não boto ovo, não fabrico rádios - tem um punhado de
coisas que eu não faço". Não temos que fazer tudo que esperam que a
gente faça nem acertar sempre no que fazemos. Como diz Sofia, agente de
viagens que adora questionar regras: "Não sou obrigada a gostar de comida
japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma vida sem
carboidratos". O certo ou o "certo" pode até ser bom. Mas às vezes
merecemos aposentar régua e compasso.

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