09/10/2010

Aulas de dança muda a vida de centenas de jovens...



A arte muda a vida

Mila Petrilo

 Além do balé: na Edisca, os jovens atendidos têm acesso a outros serviços, como acompanhamento nutricional e reforço escolar

Dos 18 irmãos de Katiana Pena Morais, menos da metade vingou. Doze crianças foram vencidas pela fome ou por doenças associadas à extrema pobreza. As sete sobreviventes dividiam com os pais uma casa de um cômodo na periferia de Fortaleza. A única boneca que Katiana teve na infância foi achada no lixo, sem membros. E foi em um espetáculo sobre um aterro de lixo que a garota, já adolescente, estreou como bailarina.

Ela estava entre as primeiras crianças selecionadas pela ONG Edisca (Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente), focada em balé. Era 1992, e ela tinha então 8 anos. Cinco anos depois, quase 32 mil pessoas em sete capitais brasileiras assistiram à primeira turnê dos alunos da Edisca, com apresentações do balé Jangurussu, cujo nome remetia ao aterro. No palco, entre outros 40 dançarinos, estava Katiana. Hoje, com 27 anos, ela tem sua própria companhia de dança.

À frente da ONG, que atendeu 1.657 jovens em 19 anos, está a coreógrafa Dora Andrade, 51, que criou a Edisca como contrapartida a um apoio do governo estadual que havia recebido para o grupo de dança que levava seu nome. A ONG nasceu em um antigo prédio alugado e contava com uma sala de 10 m², administração e banheiro. Devido a um problema de drenagem nas imediações do prédio, em época de chuvas a água atingia a altura do joelho. À medida que outras salas do local iam sendo desocupadas, Dora ia ampliando o espaço da ONG. Assim nasceram a biblioteca, o refeitório e a sala de atendimento médico.

A chance de obter um espaço próprio surgiu em 1999, com o apoio do Instituto Ayrton Senna. Mas, mesmo com o dinheiro em mãos, Dora enfrentou problemas: a negociação do primeiro terreno escolhido foi suspensa quando o corretor soube que seria instalado ali um projeto social. A coreógrafa então conseguiu comprar outro terreno, mas teve de lidar com um abaixo-assinado da vizinhança, que não queria a ONG. Dessa vez, a Edisca fincou pé e, oito meses depois, inaugurou a sede que ocupa até hoje, e que agora passa por sua primeira reforma.

Boa parte dos espaços está ganhando cara nova: as quatro salas de reforço escolar, as duas salas de dança (130 m² cada uma), o espaço de apresentações (com 200 lugares na plateia), o refeitório, o clube de xadrez, o ateliê de artes e ofícios, a sala de reunião e a biblioteca, que tem 5 mil títulos e quatro computadores. Há ainda um porão e uma sala de informática com capacidade para até 12 computadores – que a ONG ainda não pôde adquirir.

Hoje, 350 alunos frequentam o local, além de seus familiares, atendidos nas áreas de arte, educação, nutrição e saúde. A ONG também atua em outras duas frentes. A primeira consiste na pesquisa, na produção e na sistematização do conhecimento gerado a partir da observação do próprio trabalho. A segunda, na disseminação de sua metologia educacional, estimulando e estruturando outras organizações que têm os mesmos princípios.

Para realizar essa divulgação, foi criada a Partilha, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). O programa de capacitação em arte e educação da Partilha já recebeu alunos de diversas universidades americanas – o período que passam na ONG conta como crédito no currículo deles. Entre os visitantes estavam estudantes de sociologia da Universidade do Colorado e de políticas públicas da Duke University.

A Edisca também atraiu o interesse acadêmico da socióloga Isaurora Cláudia Martins de Freitas, que teve a ONG como tema de seu mestrado e de seu doutorado na Universidade Federal do Ceará. O estudo dela mostrou de que forma a entidade faz diferença na vida dos jovens atendidos. Segundo ela, eles vêm cumprindo percursos diferentes do que aqueles que os pais cumpriram. Ícaro Amorim é um exemplo: bailarino da Edisca, conseguiu uma bolsa de estudos por meio da ONG e, em 2007, entrou em direito na UFC.

Com tantos resultados positivos, a Edisca recebeu o Prêmio Abrinq pelos Direitos da Criança (1996), o Prêmio Unesco na categoria Juventude e Cidadania (1999) e o Prêmio Itaú-Unicef (2003), entre outros. E a boa gestão – auditada anualmente – impede a Edisca de ficar no vermelho. "Mas há uma imagem idealizada da instituição", pondera Dora. Nem os prêmios nem os parceiros garantem a sustentabilidade da ONG, diz.

Parte da renda vem de espetáculos em congressos e de outros eventos. Em janeiro, a Edisca volta ao teatro com um novo espetáculo: Sagrada. Entre as coreógrafas está a estudante de educação física Tatiane Gama, 27. Ex-aluna da Edisca, ela diz que a ONG continua a ser prioridade em sua vida. "Trabalhar aqui é retribuir o que fizeram por mim. Aqui, todos fazem com que o brilho que está dentro da gente saia para todo mundo ver." 


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