A edição da Revista ISTOÉ trás uma reportagem sobre Médiuns / Mediunidade.
O poder dos médiuns
Como a ciência justifica as manifestações de contato
com espíritos e por que algumas pessoas desenvolvem o dom
por Suzane Frutuoso fotos Murillo Constantino
O espiritismo é seguido por 30 milhões de pessoas no mundo.
por Suzane Frutuoso fotos Murillo Constantino
O espiritismo é seguido por 30 milhões de pessoas no mundo.
O Brasil é a maior nação espírita do planeta. São 20 milhões de adeptos e simpatizantes, segundo a Federação Espírita Brasileira – no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2,3 milhões declararam seguir os preceitos do francês Allan Kardec, o fundador da doutrina. A mediunidade, popularizada pelas psicografias de Chico Xavier, em Uberaba (MG), ganhou visibilidade 
nos últimos anos na mesma proporção em que cresceu o espiritismo. Mas nada se compara ao poder da mídia atual, que permite debater os ensinamentos da religião por meio de livros, programas de tevê e rádio. 
Os romances com temática espiritualista de Zíbia Gasparetto, por exemplo, são presença constante nas listas de mais vendidos. Embora não haja estatísticas de quantos entre os praticantes são médiuns,  o que se observa é uma quantidade maior de pessoas que afirmam possuir o dom. 
O interesse pela religião codificada por Kardec é confirmado pelo recorde de público do filme Bezerra de Menezes – o diário de um espírito, do cineasta Glauber Filho: 250 mil espectadores, desde o lançamento nos cinemas, em 29 de agosto. Um número alto para uma produção nacional. 
O longa, com o ator Carlos Vereza (também praticante do espiritismo) no papel-título, conta a história do cearense que ficou conhecido como "médico dos pobres", se tornou ícone da doutrina e orienta médiuns em centenas de centros a se dedicar ao bem e à caridade. 
PSICOGRAFIA
Instrumento por meio dos livros
A psicóloga Marilusa Vasconcelos, 65 anos, de São Paulo, é conhecida no espiritismo pela sua vasta literatura psicografada. Em 40 anos de dedicação à mediunidade, publicou 61 livros. Seu orientador é o espírito do poeta Tomás Antonio Gonzaga, que participou da Inconfidência Mineira. A dedicação à psicografia levou Marilusa a fundar em 1985 a Editora Espírita Radhu, sigla para renúncia, abnegação, desprendimento e humildade, a base dos ensinamentos na doutrina. Ela reúne outros dons, como ouvir, falar e enxergar espíritos e ser instrumento deles na pintura mediúnica. "Os vários tipos surgiram desde a infância", conta Marilusa, que nasceu numa família espírita. "O controle da mediunidade é indispensável. O médium não é joguete do espírito. Eles interagem, num acordo mútuo de tarefa."
PSICOGRAFIA
Instrumento por meio dos livros
A psicóloga Marilusa Vasconcelos, 65 anos, de São Paulo, é conhecida no espiritismo pela sua vasta literatura psicografada. Em 40 anos de dedicação à mediunidade, publicou 61 livros. Seu orientador é o espírito do poeta Tomás Antonio Gonzaga, que participou da Inconfidência Mineira. A dedicação à psicografia levou Marilusa a fundar em 1985 a Editora Espírita Radhu, sigla para renúncia, abnegação, desprendimento e humildade, a base dos ensinamentos na doutrina. Ela reúne outros dons, como ouvir, falar e enxergar espíritos e ser instrumento deles na pintura mediúnica. "Os vários tipos surgiram desde a infância", conta Marilusa, que nasceu numa família espírita. "O controle da mediunidade é indispensável. O médium não é joguete do espírito. Eles interagem, num acordo mútuo de tarefa."
| Os espíritas dizem que todas as pessoas têm algum grau  de mediunidade. Qualquer um seria capaz de emitir pensamentos em  forma de ondas eletromagnéticas que chegariam a  outros planos. O que torna algumas pessoas especiais,  segundo os praticantes, a ponto de se transformarem e m canais de comunicação com os mortos, é uma  missão – designada antes mesmo de nascerem,  determinada por ações em vidas anteriores  e que tem na caridade o objetivo final.  "É uma tarefa em favor da evolução de si mesmo e da ajuda ao próximo",  diz Julia Nesu, diretora do departamento  de doutrina da União das Sociedades Espíritas do  Estado de São Paulo.  Fenômenos relacionados a pessoas que falavam  com mortos e envolvendo objetos que se mexiam  são relatados desde o século XVII, tanto na Europa quanto nas Américas, mas hoje cientistas tentam  compreender o fenômeno. Algumas linhas de pesquisa mostram que o cérebro  dos médiuns é diferente dos demais. São cinco os meios de expressão da mediunidade.  A psicografia, que consagrou  Chico Xavier, é a mais conhecida. Nela, o médium  escreve mensagens e histórias que recebe de espíritos. Estaria sob o controle deles o que as mãos transcrevem.  A vidência permite enxergar os mortos que não  conseguiram se desvencilhar da Terra ao não  aceitarem a morte ou que aparecem para enviar  recados a entes queridos. Na psicofonia, o sensitivo  é capaz de ouvir e reproduzir o que os espíritos  dizem e pedem. A psicopictografia, ou pintura mediúnica, permite ao médium ser instrumento de artistas  desencarnados (termo usado pela doutrina para designar mortos). A mediunidade da cura é responsável pelas chamadas cirurgias espirituais. Não é incomum um mesmo indivíduo reunir mais de um tipo de dom. 
 A reportagem de ISTOÉ presenciou uma  manifestação mediúnica em Indaiatuba,  interior de São Paulo.  O tom de voz baixo e os gestos delicados de  Solange Giro, 46 anos, sugeriam que ela carrega certa timidez ao expor a própria vida numa conversa com um estranho. Cerca de duas horas depois, porém, é difícil acreditar no que os olhos vêem.  Diante de uma tela em branco, sobre uma mesa improvisada com dezenas de tubos de tinta, a mulher começa a  pintar  um quadro na seqüência de outro.  O tempo gasto em  de nove minutos. As obras são coloridas e harmoniosas. "Nunca fiz aula de artes. Mal conseguia ajudar meus filhos com os desenhos da escola", diz, minutos antes da apresentação. A discreta Solange dá lugar a uma pessoa que fala alto, canta e encara os interlocutores nos olhos, com ar desafiador. A assinatura nas  telas não leva seu nome, mas de artistas famosos – e já mortos –, como Monet, Mondrian e Tarsila  do Amaral. Seria uma interpretação digna de uma  triz? Talvez. O que difere o momento de uma encenação é subjetivo e dá margem a dezenas de explicações – convincentes ou não. Talvez seja possível encontrar respostas no que a artista diz a cada uma das pessoas da platéia presenteadas com um dos dez quadros produzidos na noite. Enquanto entregava a obra, ela desferia características e situações de vida de cada um absolutamente desconhecidas dela. O mentor que a guia é o médico holandês Ernst, que viveu no século XVII. A sensitiva garante que era ele, não ela, quem estava presente na pintura dos quadros. Nem sempre é fácil aceitar a mediunidade, que pode causar medo quando começa a se manifestar. "Ainda hoje não gosto quando vejo o possível  desencarne de alguém. Nestas horas, preferia não saber", conta a psicóloga Marilusa Moreira Vasconcelos, 65 anos, de São Paulo, que psicografa. O médium de cura Wagner Fiengo, analista fiscal  paulistano, 37 anos, chegou a se afastar da doutrina.  "Aos 13 anos não entendia por que presenciava aquilo. " Para manter a sanidade e o equilíbrio, as pessoas que  possuem dons e querem fazer parte da religião espírita precisam se dedicar à educação mediúnica. O curso  leva cinco anos. Inclui os ensinamentos  que Allan Kardec  compilou no Livro dos Espíritos – a obra que deu base ao  entendimento da doutrina – e no Livro dos Médiuns –  que explica quais são os tipos de mediunidade, como eles se manifestam e os cuidados a serem tomados. Entre eles, o combate a falhas de comportamento, como vaidade, orgulho e egoísmo. O Espiritismo prega que as imperfeições  da personalidade atraem espíritos com a mesma vibração. "O pensamento é tudo. Aqueles que pensam positivo  atrairão o que é semelhante. O mesmo acontece com  o pensamento negativo e os vícios. Quem gosta de beber, por exemplo, chama a companhia de espíritos alcoólatras",  afirma o professor de educação mediúnica Ivanildo Protázio, 49 anos, de São Paulo, que tem o dom da vidência. PSICOFONIA  Falar o que os espíritos querem dizer A intuição do servidor público Geraldo Campetti,  42 anos, de Brasília,  começou na infância. Ele tinha percepções inexplicáveis,  das quais mais ninguém se dava conta. Era como se absorvesse sentimentos que não eram seus. Apenas identificava que existia algo  além do que seus olhos enxergavam.  Até que as sensações começaram a tomar forma.  Campetti passou a ouvir súplicas de ajuda. De espíritos, inconformados com a morte. Aos 29 anos,  não se assustou. De família espírita, conhecia a  mediunidade. "Mas sabia que precisava estudar  para manter o equilíbrio", diz. Hoje diretor da  Federação Espírita Brasileira, afirma ter controle  sobre o dom de ouvir e transmitir recados dos mortos.  Eventualmente, um espírito pede uma mensagem à pessoa com quem ele conversa.  "Isso é espontâneo, não da minha vontade." Imaginar que convivemos no cotidiano com pessoas  que estão mortas vai além da compreensão sobre a vida  – pelo menos para quem não acredita em reencarnação. Mas até na ciência já existem aqueles que conseguem  casar racionalidade com dons espirituais. Esses  especialistas afirmam que a mediunidade é um  fenômeno natural, não sobrenatural.  E que o mérito de Allan Kardec foi explicar de maneira  didática o que sempre esteve presente – e registrado – desde a criação do mundo em todas as religiões.  O que seria, dizem os defensores da doutrina, a  anunciação do Anjo Gabriel a Maria, mãe de Jesus,  se não um espírito se comunicando com uma sensitiva?  Afirma o neurocirurgião Nubor Orlando Facure,  diretor do Instituto do Cérebro de Campinas.   Nas quatro décadas em que estuda a manifestação  da mediunidade no cérebro, Facure mapeou áreas  cerebrais que seriam ativadas pelo fluido. 
 Comprovar cientificamente a mediunidade  também é objetivo do psiquiatra Sérgio Felipe  Oliveira, professor de medicina e espiritualidade  da Faculdade de Medicina da USP e membro da  Associação Médica-Espírita de São Paulo. Com  exames de tomografia, ele analisou a glândula  pineal (uma parte do cérebro do tamanho de  um feijão) de cerca de mil pessoas.  "Os testes mostraram que aqueles com facilidade  para manifestar a psicografia e a psicofonia  apresentam uma quantidade maior do mineral  cristal de apatita na pineal", afirma Oliveira.  Ele também atende, no Instituto de  Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo,  casos de pacientes de doenças como dores crônicas e epilepsia que receberam todos os tipos de tratamento, não tiveram melhora e relatam  experiências ligadas à mediunidade.  "Somamos aos cuidados convencionais,  como o remédio e a psicoterapia, a espiritualidade, que vai desde criar o hábito de orar até a meditação.  E os resultados têm sido positivos." Uma pesquisa  de especialistas da USP e da Universidade Federal de Juiz de Fora, publicada em maio no periódicoThe  Journal of Nervous and Mental Disease, comparou  médiuns brasileiros com pacientes americanos de  transtorno de múltiplas personalidades (caracterizado  por alucinações e comportamento duplo). Eles  concluíram que os médiuns apresentam  prevalências inferiores de distúrbios mentais,  do uso de  antipsicóticos e melhor interação social. A maior parte dos cientistas acredita que a  mediunidade nada mais é do que a manifestação  de circuitos cerebrais. Alguns já seriam explicáveis,  como os estados de transe. Pesquisas da Universidade  de Montreal, no Canadá, e da Universidade da  Pensilvânia, nos Estados Unidos, comprovaram  que, durante a oração de freiras e monges católicos,  a área do cérebro relacionada à orientação corporal  é quase toda desativada, o que justificaria a sensação de  desligamento do corpo. Os testes usaram imagens de ressonâncias magnéticas e tomografias feitas no momento do transe. A teoria seria aplicável ao transe mediúnico,  quando o médium diz incorporar o espírito e  não se lembra do que aconteceu. Pesquisadores da  Universidade de Southampton, na Inglaterra, estudaram pessoas que estiveram entre a vida e  a morte e relataram se ver fora do próprio corpo  durante uma operação ou entrando em contato  com pessoas mortas. Os estudiosos concluíram  se tratar de um fenômeno fisiológico produzido  pela privação de oxigênio no cérebro. Trabalhando  sob stress, o órgão seria também inundado de  substâncias alucinógenas. As imagens criadas  pela mente seriam apenas a retomada de percepções  do cotidiano guardadas no inconsciente.  | 
| PSICOPICTOGRAFIA Milhares de quadros pintados Criada numa família católica, Solange Giro, 46 anos, de Parapuã, interior de São Paulo, teve o primeiro contato com o espiritismo aos 20 anos, ao conhecer o marido. Ele, que perdera uma noiva, buscava o entendimento da morte. Já casada e com dois filhos, passou a sofrer de depressão. Encontrou alívio na desobsessão (trabalho que libertaria a pessoa de um espírito que a domina). A mediunidade dava os primeiros sinais. Logo passou a ouvir e ver espíritos. O dom da psicografia veio em seguida. Era um treino para ser iniciada na pintura mediúnica. "Pintei cinco mil quadros no primeiro ano. Estão guardados. Não tive autorização para mostrálos", conta Solange, que diz nunca ter estudado artes. Nos últimos 13 anos, ela recebeu aval de seu mentor para vender os quadros. O dinheiro é revertido para a caridade. Da mesma maneira que todos os presentes à sessão de pintura em Indaiatuba saíram atônicos, sem conseguir explicar como alguém que conheceram numa noite foi capaz de decifrar suas angústias mais inconfessáveis. | 
"Se uma pessoa está em cirurgia numa sala e consegue descrever em detalhes o que ocorreu em um ambiente do outro lado da parede, é possível ser apenas uma sensação?" Essa é uma pergunta que nenhuma das frentes de pesquisa se arrisca – ou consegue – a responder com exatidão. 


 
 
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