18/06/2014

INFARTO EM CASA: SAIBA COMO AGIR.



Sérgio Timerman, médico do Incor (Instituto do Coração de São Paulo), dirige o Departamento de Treinamento e Pesquisa em Reanimação e é o diretor-presidente da Fundação Inter-Americana de Coração.

No Brasil, ocorrem 160 mil mortes súbitas por ano. Pessoas que aparentam absoluta normalidade estão conversando com a família, andando pelo shopping, assistindo a um jogo, quando de repente têm uma parada cardíaca e morrem.

Essa causa de morte é mais frequente depois dos 40 anos de idade e em maior número do que somados os casos fatais de AIDS, acidentes com armas de fogo e automobilísticos, câncer de mama e de pulmão.

A reação das pessoas que presenciam um fato como esse, em geral, é de perplexidade. Algumas saem correndo e gritando sem saber como socorrer o doente; outras tentam colocá-lo num automóvel para buscar socorro num hospital. Entre todas, essa é a pior medida que poderemos tomar porque, segundo os médicos especialistas, estaremos provavelmente transportando um cadáver, uma vez que em 5 minutos, 50% dos indivíduos com parada cardíaca morrem. A partir daí, 10% morrem a cada minuto que passa, portanto, em dez minutos, estarão todos mortos.

Em vista disso, é absolutamente fundamental saber como se deve agir quando alguém por perto sofreu uma parada cardíaca. Tomar as medidas corretas nos primeiros minutos pode salvar a vida de muitos pacientes.

LOCAIS DE MAIOR INCIDÊNCIA

Drauzio – Em que locais costumam acontecer as paradas cardíacas?

Sérgio Timerman – Costumam ocorrer fora do ambiente hospitalar. Na verdade, 86% das paradas cardíacas ocorrem nos próprios lares das vítimas, e mais de 50% dos casos são assistidos por um adolescente ou por uma criança sem nenhum adulto por perto. Os 14% restantes, um número também muito grande, ocorrem em vias públicas ou em lugares de grande concentração de pessoas como shopping centers, estádios desportivos, aeroportos, dentro de aviões, cadeias públicas e, em alguns países, nos campos de golfe e nos cassinos.
 
Drauzio – Deixando de fora a maioria de casos domésticos, há maior incidência de paradas cardíacas em ambientes onde existe concentração de pessoas estressadas?

Sérgio Timerman – Nem sempre estressadas. O shopping center, por exemplo, deveria ser um local de lazer e, dependendo das circunstâncias, o mesmo se pode dizer dos estádios esportivos. Chama atenção, porém, o número de paradas cardíacas que ocorrem nos aeroportos.

Diante desse quadro, o que nos deixa mais preocupados é que as vítimas são pessoas ativas que enfrentam normalmente seu dia a dia e, de repente, por estresse ou outra razão qualquer, caem mortas.

MECANISMO FISIOLÓGICO DA PARADA CARDÍACA

Drauzio – Você poderia explicar sumariamente o mecanismo pelo qual um coração para de repente?

Sérgio Timerman – Acima de 85% das vezes, a parada súbita do coração é provocada por uma lesão aguda chamada ataque cardíaco, geralmente, um infarto agudo do miocárdio. Quando um acidente desses acontece, um dos mecanismos do coração para preservar a si mesmo é desencadear arritmias que podem progredir para uma das modalidades mais frequentes de parada cardíaca: a fibrilação ventricular.

Para entender melhor o que é fibrilação ventricular, vamos imaginar um barco com remadores obedecendo ao comandante que lhes ordena – "Comecem a remar" -, mas não indica a direção e cada um deles rema para um lado diferente. A embarcação não sai do lugar, é óbvio. A mesma coisa acontece com o coração nos casos de fibrilação. Na realidade, o coração não parou de funcionar, mas está batendo de maneira caótica e não consegue bombear o sangue que deveria irrigar o cérebro e os outros órgãos. No Brasil, isso acontece todos os anos com 160 mil pessoas que não deveriam estar morrendo, porque existem meios para salvá-las.

Drauzio – Quantas pessoas que sofrem parada cardíaca ainda podem ser salvas?

Sérgio Timerman - Até pouco tempo, parada cardíaca era sinônimo de morte. Não mais do que 2% das pessoas sobreviviam. Hoje, números mundiais mostram que se alcançam acima de 70% de sobrevida se quem estiver por perto souber prestar os primeiros socorros. Existem técnicas simples e eficazes de avaliação e atendimento e equipamentos idealizados para que os leigos possam manuseá-los sem maiores dificuldades.

PARADA CARDÍACA X INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

Drauzio – Muita gente confunde parada cardíaca com infarto agudo do miocárdio. Vamos estabelecer a diferença que existe entre eles?

Sérgio Timerman – O infarto agudo do miocárdio é uma das causas da parada cardíaca, embora nem todos eles provoquem esse tipo de consequência. No infarto, o coração deixa de receber o fluxo de sangue proveniente de uma de suas artérias e faltam oxigênio e nutrição na área que deixou de ser irrigada. No entanto, o sintoma mais corriqueiro do infarto é dor persistente no peito, que não melhora. Muitos negligenciam essa dor, deixam de procurar um serviço médico e acabam tendo o segundo e mais grave sintoma: a parada cardíaca.

CORRENTE DE SOBREVIDA

Drauzio – Como alguém que não entende nada de medicina pode reconhecer uma parada cardíaca?

Sérgio Timerman – Até pouco tempo, existia uma série de procedimentos e técnicas que, se eram relativamente complicados para os profissionais de saúde, imagine para os leigos. A partir de agosto de 2.000, uma força tarefa mundial resolveu simplificar as técnicas de ressuscitação que, no Brasil, infelizmente, são pouco difundidas. Apenas o Comitê Nacional de Ressuscitação, o Instituto do Coração e algumas outras instituições  encarregam-se de divulgá-las.

É a Corrente da Sobrevida que mostra como atuar desde o momento em que a pessoa tem uma parada cardíaca até a chegada do profissional de saúde. Ela é composta por quatro elos:

1º passo - Reconhecer a parada cardíaca e chamar o serviço de emergência

Percebendo que a pessoa está inconsciente, não responde aos chamados, não está respirando porque teve uma parada cardíaca, deve-se chamar imediatamente o serviço de emergência pelo telefone 192.

Antigamente, falava-se muito em apalpar os pulsos. Hoje se manda procurar sinais de vida. Está respirando? Se não está, não se deve perder tempo. Uma vez chamado o serviço de emergência, deve-se começar a atuar, iniciando as manobras de reanimação.

2º passo – Dar início às manobras de reanimação

Se a pessoa não foi vítima de trauma e teve uma parada cardíaca súbita, deve-se estender seu pescoço puxando o queixo para trás para fazer com que o fluxo de ar volte para a traqueia. Coloca-se, então, o rosto perto do nariz e da boca do paciente e observa-se se há movimento respiratório no tórax. Não havendo sinais de respiração, deve-se iniciar a respiração boca a boca. Tapa-se o nariz do doente para que o ar não saia por ali, e insufla-se duas vezes ar em sua boca.

Em seguida, com as mãos espalmadas e trançadas para dar mais peso, pressiona-se 15 vezes o tórax exatamente no meio de uma linha imaginária traçada entre os dois mamilos.

O massageador não deve fazer força com os braços e com as mãos para não chegar à exaustão rapidamente. Deve jogar a força de seu corpo sobre o tórax do paciente num movimento rítmico. A técnica da boa massagem independe do peso corpóreo do massageador. É importante ressaltar que a massagem cardíaca tem de ser mantida até a chegada do desfibrilador ou do serviço de emergência.

No que se refere à respiração boca a boca, muitos leigos e até alguns profissionais de saúde sentem um pouco de medo de fazer a respiração numa pessoa desconhecida, temendo contrair doenças. Além disso, ela pode ter apresentado vômito ou qualquer outro problema que causam constrangimento. Por isso, hoje a recomendação mundial é realizar a massagem cardíaca efetivamente até a chegada do socorro. Existem trabalhos que demonstram a importância crucial da compressão cardíaca nos dez primeiros minutos e seus bons resultados mesmo sem a respiração.

3º passo – Aplicar a desfibrilação ou choque elétrico.

Como já foi dito, a grande maioria de paradas cardíacas ocorre por um fenômeno chamado fibrilação ventricular caracterizada pelo ritmo caótico do batimento do coração. Não se conhece nenhum tratamento químico ou manual para a fibrilação que não seja o choque elétrico. Por essa razão, programas comunitários no mundo todo, chamados Acesso Público à Desfibrilização, estão colocando desfibriladores em locais públicos, como aviões, aeroportos, estádios desportivos, entre outros, a fim de que o leigo possa dispor deles e aplicar o choque antes mesmo da chegada do serviço de emergência.

4º passo – Chegada do serviço de emergência e do profissional de saúde.

Drauzio – Se 85% das paradas cardíacas acontecem no ambiente doméstico e ninguém tem desfibrilador em casa, quem traz esse aparelho é o resgate ou a ambulância, não é?

Sérgio Timerman – Normalmente é o resgate, mas existem muitos business centers e condomínios que estão instalando esses equipamentos, a chama da vida, quase ao lado dos extintores de incêndio. O que se pensa nas forças tarefas de ressuscitação é que eles são tão importantes nas casas de pessoas com risco de parada cardíaca quanto qualquer outro aparelho doméstico.

Drauzio – É difícil lidar com o aparelho de defibrilação automática?

Sérgio Timerman – Segundo os especialistas, esse equipamento é mais fácil de ser usado do que um radinho de pilha. É leve, pesa dois ou três quilos no máximo e tem condições de aplicar 500 choques.

No Brasil, há uma legislação tramitando para tornar obrigatória sua instalação em lugares públicos. Quero lembrar que, na Europa e nos Estados Unidos, o uso desse equipamento aumentou de 2% para 70% a sobrevida dos pacientes com parada cardíaca. Em locais como o Aeroporto de Chicago, por exemplo, onde a sobrevida beirava os 2%, a utilização dos desfibriladores favoreceu a elevação do índice de sobrevida para 56% e, o mais animador, em 60% desses casos bem sucedidos, o aparelho foi utilizado pelo público leigo.

Drauzio – Como funciona esse equipamento?

Sérgio Timerman – O equipamento é autoexplicativo e consta de dois botões, dois eletrodos e duas pequenas pás adesivas que devem ser colocadas no tórax do paciente. O local exato é indicado por uma figura existente no próprio aparelho. Por meio de uma gravação, o aplicador recebe instruções de como agir, na realidade apenas apertar botões e conectar dois fios. O resto o aparelho faz sozinho. Ele analisa o estado do paciente e indica a conveniência ou não de aplicar-lhe o choque.

TELEFONE DE EMERGÊNCIA

Drauzio – Você poderia repetir o número do telefone de emergência?

Sérgio Timerman – Esse é um grande problema. No Brasil, não existe um número único. Fala-se em 192 e 193: 192 para casos clínicos e 193 para traumas. Nosso país precisa ter um único número de emergência, como ocorre nos Estados Unidos e em outros países do mundo.

Drauzio – Se a pessoa discar qualquer um dos números, 192 ou 193, vai ser atendida?

Sérgio Timerman – Esperamos que ocorra o atendimento. Já houve relatos de pessoas que ligaram para um número e lhe perguntaram se era emergência clínica ou trauma. Por não ser o lugar correto, pediram-lhes que ligassem para o outro número. Infelizmente, a perda de tempo que tal conduta provoca pode ter consequências lastimáveis.

Drauzio – Se você tivesse de socorrer uma pessoa agora para que número ligaria?

Sérgio Timerman – Eu ligaria para o 192. No caso de eu ser o paciente, rezaria para uma pessoa bem capacitada me atender até a chegada do serviço de emergência.

Drauzio – Esse serviço funciona no País inteiro?

Sérgio Timerman – Funciona em alguns estados e regiões; em outros, existe certa dificuldade para o funcionamento.

Drauzio – Você me passa a impressão de que não temos no País um serviço de emergência organizado?

Sérgio Timerman – Fico um pouco preocupado, porque não temos unificação do atendimento de emergência no País, apesar de existirem grupos em diversos estados fazendo um trabalho excelente.

IMPORTÂNCIA DO ATENDIMENTO IMEDIATO

Drauzio – Gostaria de que você enfatizasse a importância do atendimento rápido nas paradas cardíacas, uma vez que em cinco minutos morrem 50% dos pacientes e, em dez minutos, todos morrem.

Sérgio Timerman – Pegar uma pessoa que está em parada cardíaca, colocá-la num carro e levá-la para o hospital é transportar um cadáver. O professor Douglas Chamberlain, um dos titãs da ressuscitação mundial, afirma que, no século XX, reanimar dentro do hospital alguém que tenha tido uma parada cardíaca fora dali é sinal de que o sistema falhou.

Então, o que deve ser feito? O tempo ideal para começar a atuar nos casos de parada cardíaca é abaixo de cinco minutos. Fala-se em dez minutos, mas esse é o limite máximo porque, decorridos dez minutos, a possibilidade de a pessoa estar viva é remota. Se for possível atuar nos cinco primeiros minutos, a possibilidade de sucesso da ressuscitação e reanimação é, sem dúvida, muito maior.

Como chegamos a esses dados? Existe uma série de projetos comunitários em diversos lugares do mundo que mostram esses resultados. O treinamento da população e dos profissionais de saúde fez subir de 4% para 50%, 60% os casos de sobrevivência. Em alguns locais, o índice atinge 70%, 75%. Isso ficou mais evidente nos aviões. Até pouco tempo], uma pessoa que tivesse parada cardíaca a vinte mil metros de altura estaria morta quando o avião tocasse o solo vinte minutos depois, já que esse seria o tempo mínimo que o piloto levaria para aterrissar. Nesse caso, não havendo alguém que pudesse prestar o primeiro atendimento e o avião não possuísse o equipamento de choque, a possibilidade de sobrevivência seria nenhuma. No entanto, companhias aéreas que implementaram essas medidas já conseguiram 40% de sobrevida e algumas delas, 56%, graças à rapidez com que conseguem atender esses casos.

Drauzio – Embora evitemos, por questões éticas, citar nomes ou marcas, gostaria de que você dissesse qual companhia aérea oferece os melhores cuidados nesse sentido?

Sérgio Timerman – Existem várias companhias aéreas que se colocaram à disposição das entidades científicas para melhorar os kits aeromédicos. Entre elas, destacam-se a americana Ameircan Airlines que atingiu 40% de sobrevivência segundo uma matéria publicada no New England Journal of Medicine, a australiana Qantas, a britânica British Airways e, para nosso orgulho, a antiga Varig, que fez a implementação de kits aeromédicos e desfribiladores em todos os seus aviões.

Drauzio – Mesmo nos que fazem voos nacionais?

Sérgio Timerman – Colocaram principalmente nos voos com maior fluxo de passageiros como é o caso da Ponte Aérea Rio-São Paulo.

Drauzio – Você acha que as pessoas deveriam ter um desfibrilador em casa?

Sérgio Timerman – Acho que, em nosso pais, neste momento, o mais importante é difundir as técnicas de ressuscitação, de reanimação cardíaca.

Drauzio – Se você tivesse que resumir numa única frase tudo o que foi dito, qual seria ela?

Sérgio Timerman – Não perca tempo. Atenda a vítima no local em que ocorreu a parada cardíaca. Se a pessoa já for cardíaca, deve andar sempre com os telefones do médico particular, nomes de remédios que toma e um eletrocardiograma prévio. Fica muito mais fácil para o médico que vai atender a vítima identificar um infarto comparando os dois eletros.
Para quem quer se prevenir, a dica mais eficaz é andar sempre com uma aspirina. Quando perceber os sintomas, a vítima deve tomar metade de uma aspirina. Estudos comprovam que o uso do medicamento reduz em 22% as chances de mortalidade em casos de infarto. Além disso,  ao sentir as dores, deve-se tentar permanecer em repouso, soltar a pressão de roupas e sapatos e, se possível, ficar em um local arejado.

Apesar da preocupação constante em chegar rápido a um local de atendimento médico, deve-se levar em conta também a qualidade deste serviço. Não se deve encaminhar a vítima de infarto a um pronto-socorro ou a uma clínica pequena, mas sim para algum lugar que tenha recursos suficientes, mesmo que este local seja um pouco mais longe que os outros.

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