17/06/2014

Uma nova safra de estudos investigou a conhecida e temida rivalidade feminina. Constatou que não é mito.

"As mulheres lutam com fofocas e rumores." É com essas palavras que o advogado da personagem principal da série americana Orange is the new black, sucesso no serviço de vídeo on-line Netflix, acalma sua cliente sobre o risco de violência física dentro da prisão. Uma recente safra de estudos com o objetivo de desvendar as raízes da rivalidade entre as mulheres sugere que isso não é só piada. Eles mostram que as mulheres estão em constante estado de alerta em relação às outras – e são capazes de estratégias elaboradas de manipulação para se sair melhor que as concorrentes. O objetivo, dizem os estudos, é um só: conquistar o melhor partido, que garantirá filhos saudáveis e o sustento da prole. Parece cada vez mais uma velha piada machista. Novamente, a pesquisa sugere que é verdade. O nobre ideal de perpetuar a espécie deve ser entendido, porém, dentro de um contexto maior: a evolução biológica. "Apesar de ter sido negligenciada por muito tempo, há cada vez mais evidências da importância evolucionária da competição feminina", escreveu a bióloga britânica Paula Stockley na introdução de uma revista da Royal Society de Londres, uma das sociedades científicas mais prestigiadas do mundo. A edição foi dedicada a compilar estudos recentes sobre a rivalidade feminina em várias espécies.
A ciência só tem em mãos o mais completo retrato de como as mulheres se comportam diante das outras porque se debruçou sobre o assunto de forma persistente, num reflexo do aumento de mulheres nas bancadas acadêmicas. Elas querem analisar comportamentos que durante muito tempo foram estudados apenas nos homens: as estratégias para escolher parceiras, tornar-se dominantes e garantir o sucesso reprodutivo. Agora, novas pesquisas mostram que as mulheres, a seu jeito, são capazes de usar métodos refinados de competição. Pode-se chamar de "guerra fria". Os cientistas preferem um termo mais técnico, "agressão indireta", para qualificar os olhares de canto (avaliação), os risinhos (escárnio) e os comentários (maldosos) que cobrem todas as facetas – da aparência às atitudes e à personalidade – das colegas de sexo.

A psicóloga Tracy Vaillancourt, pesquisadora da Universidade McMaster, no Canadá, conseguiu flagrar em sua pesquisa essa forma sofisticada de agressão. Separou as participantes do estudo em pares e as levou para o laboratório para responder a um questionário. Antes de começar, foram interrompidas por uma terceira mulher. Em metade dos grupos, essa intrusa tinha o cabelo preso, estava vestida com uma camiseta azul e calça cáqui. Era quase o que se pode chamar de desleixada. Os outros grupos foram interrompidos pela mesma mulher. Desta vez ela usava uma blusa decotada, saia preta curta, botas e o cabelo solto, no melhor estilo sensual. O resultado? A dupla de mulheres sempre tecia algum comentário maldoso sobre a intrusa que entrava na sala quando ela estava em sua versão sexy, não na desleixada. "As mulheres se sentem ameaçadas por rivais que parecem sexualmente disponíveis e agem para desencorajar esse tipo de atitude", diz Tracy.
Em outro estudo, a psicóloga Joyce F. Benenson, do Emmanuel College, em Boston, afirma que as mulheres competem usando estratégias indiretas para minimizar o risco de retaliação. Elas disfarçam a competição – a não ser que tenham uma posição mais alta na comunidade – e excluem a outra socialmente. Segundo Joyce, esse comportamento reflete uma demanda por igualdade no interior da comunidade feminina. "As mulheres reduzem a competição ao punir aquelas que querem obter mais que as outras", diz ela no texto. "A exclusão social é uma estratégia para aumentar os recursos e as oportunidades, diminuindo a competição."

No livro The evolution of desire: strategies of human mating, o psicólogo americano David Buss, uma das referências mundiais em estratégias reprodutivas, diz que a maledicência feminina é fruto da pressão evolutiva. As mulheres atacam aquelas que parecem dispostas a fazer sexo casual, porque elas atrapalham seu objetivo de conseguir um relacionamento longo e monogâmico que garanta o sustento dos filhos. Pode parecer um comportamento primitivo. Os pesquisadores afirmam que, quando o assunto é sucesso reprodutivo, nem homens nem mulheres escapam. "É nosso lado primata", diz a bióloga Mercedes Okumura, pesquisadora do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. "Muito do comportamento humano está relacionado a necessidades primitivas de reprodução, nutrição e sobrevivência."

Entender que o sucesso da espécie depende da competição entre mulheres não foi uma desculpa boa o suficiente para que a auxiliar administrativa Simone Henrique, de 33 anos, perdoasse sua (ex) melhor amiga. Elas eram confidentes desde o ensino fundamental, mesmo com personalidades diferentes. Extrovertida, Simone sempre foi considerada uma garota popular no colégio. A amiga era mais reservada. Depois de adultas, a cumplicidade persistiu. Tanto que Simone se sentiu na obrigação de avisar que a amiga era traída pelo marido. Quando a amiga decidiu se separar, Simone diz ter ficado sempre ao lado dela, nos piores momentos de depressão. Ela não esperava que, meses depois, a amiga fosse capaz de ter um caso com seu marido, logo após o nascimento do primeiro filho do casal. Tudo parecia não passar de uma vingança. "Ela não cansava de me falar que era um troco: 'O patinho feio ficou com o marido da gostosona'", diz Simone. A amizade acabou, e Simone deu uma segunda chance ao marido.

A competição feminina não se restringe às disputas amorosas. Como acontece com os homens, é natural que a rivalidade se transfira para os relacionamentos profissionais. A paulistana Fernanda Malta, de 27 anos, passou por essa experiência. Ela diz que a inveja da chefe causou sua demissão. "Na época em que tudo aconteceu, eu havia comprado um apartamento", diz. "Ganhando mais do que eu, ela não se conformava que eu tivesse casa própria, e ela não. Ouvia ela dizer isso inclusive a minhas amigas." O clima ficou tão desagradável que Fernanda foi demitida. "Brigávamos todos os dias, até que ela disse que me dispensaria por motivos pessoais", diz Fernanda.


A competitividade, claro, não é exclusiva das mulheres. "Ela está presente em qualquer sexo, em qualquer idade", diz a psicóloga Paula Peron, professora da PUC de São Paulo. O que muda é a forma como homens e mulheres manifestam essa competitividade. Os homens tendem a usar formas diretas de violência. As mulheres lançam mão de táticas sutis. Abalam a confiança da concorrente tecendo comentários maldosos ou espalhando boatos para deixá-la isolada. "Essas diferenças estão relacionadas à maneira como evoluímos", diz o psiquiatra Paulo Castro, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Os homens precisavam eliminar quem competia com eles por comida e por parceiras para reprodução. As mulheres só precisavam sobressair diante das outras para ser escolhidas."
Os estudos sobre a rivalidade entre as mulheres são importantes porque ajudam a entender – e talvez evitar – padrões de comportamento que causam sofrimento. Essa competição está na origem da obsessão com o corpo, que pode levar a distúrbios alimentares. "A rivalidade pode levar as mulheres a perseguir padrões impossíveis e a adotar atitudes que prejudicam a saúde física e mental", diz Castro, da Unicamp. O psicólogo Christopher J. Ferguson, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, descobriu em sua pesquisa que a insatisfação das mulheres com o corpo estava mais relacionada a pessoas de seu círculo social do que à imagem perfeita das celebridades que aparecem na televisão e nas revistas. Ter consciência do mecanismo competitivo que desencadeia esse padrão de comportamento pode ajudar a controlá-lo. "Quando você entende como e por que age, pode aprender a filtrar a agressividade e a competição de maneira saudável", diz a psicoterapeuta Maria Helena Paulino, da PUC-SP.

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