06/07/2014

Máfia do ingresso atuou nas cidades onde a Seleção jogou.




A quadrilha internacional especializada na venda ilegal de ingressos enviava malotes por correio com entradas dos jogos da Copa e tinha 'comissões' para agir em todas as cidades onde a seleção brasileira atuou. Os bilhetes eram recebidos por integrantes do grupo, que se ramificou pelo país. A maioria dos deslocamentos eram feitos em voos comerciais. Mas os cambistas chegaram a viajar de carro até Belo Horizonte para negociar ingressos do confronto contra o Chile, pelas oitavas-de-final da competição. Com a participação de pessoas influentes ligadas à própria Fifa, entidade organizadora do evento, a máfia do ingresso chegava a movimentar até R$ 200 milhões por Mundial com ingressos desviados da entidade, como cortesias destinadas a patrocinadores, ONGs e até integrantes das delegações. 

O grupo, que agiu nas últimas quatro Copas, foi identificado na terça-feira com a prisão de 11 suspeitos indiciados pelos crimes de cambismo, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O francês de origem argelina Mohamadou Lamine Fofana, apontado como o chefão da máfia do ingresso, chegou a dizer que conseguia ingressos com a Match Hospitality, empresa responsável pela acomodação e pelos ingressos dados a atletas e dirigentes das delegações. O nome de duas pessoas ligadas à alta cúpula da Fifa já foi revelado. Um deles é o sobrinho de Joseph Blatter, presidente da entidade. 

O executivo Philippe Blatter, gerente da Match Services, firma autorizada pela Fifa a vender os ingressos dos jogos, pode ser investigado pela polícia. O outro é o argentino Humberto Grondona, filho do vice-presidente Julio Grondona, que admitiu ter vendido um dos ingressos apreendidos pela polícia a um amigo. A revelação foi feita em vídeo obtido com exclusividade pelo DIA , feito quando ele foi capturado por agentes da 18ª DP (Praça da Bandeira), na terça-feira. Philippe Blatter também preside a Infront Sports & Media AG, sócia minoritária da Match Hospitality. Dono da Atlanta Sportif International, empresa de consultoria a jogadores e clubes, o franco-argelino tem uma vasta rede de contatos, que inclui dirigentes da Fifa, celebridades e pessoas ligadas ao mundo do futebol. No site da empresa, ele aparece numa foto ao lado do presidente da Fifa. Na semana anterior à sua prisão, Lamine Fofana organizou um almoço oferecido a ex-jogadores da seleção brasileira, em um restaurante na Lagoa. Entre eles, estava Dunga, o capitão do tetra, flagrado em conversas com o franco-argelino durante as escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Também estavam no evento os tricampeões mundiais Jairzinho e Carlos Alberto Torres. 

No encontro, o empresário presenteou os convidados com garrafas de uísque em formato de chuteira, adquiridas por mais de R$ 9 mil em uma loja no Aeroporto Santos Dumont. Um outro vídeo feito pela polícia, também obtido pelo DIA , flagrou o momento da compra. O desafio da polícia, agora, é identificar o 'tubarão' da Fifa, integrante da cúpula da entidade que estaria à frente do franco-argelino na máfia do ingresso. 

Final do Carioca: isca para cambistas 
A forma de atuação da máfia do ingresso começou a ser desvendada há três meses, após uma denúncia sobre a ação de cambistas, feita junto à Ouvidoria do Juizado do Torcedor. Com base nessa informação, o promotor Marcos Kac, da 9ª Promotoria de Investigação Penal (PIP), reuniu-se com o delegado Fábio Barucke, da 18ª DP (Praça da Bandeira), com o objetivo de traçar uma estratégia para identificar envolvidos com a venda ilegal de ingressos. "Eu estava cansado de prender apenas o pé de chinelo. A ideia era encontrar os fornecedores e descobrir o esquema. Pedimos a quebra de sigilo telefônico e começamos a monitorar tudo. Mas a situação tomou uma dimensão maior e acabamos identificando uma quadrilha internacional que faz isso há quatro Copas do Mundo", explicou o promotor. 

Em abril, agentes infiltrados da delegacia foram aos arredores do Maracanã à procura de cambistas. Para conseguir o celular de um deles, o policial disfarçado disse que estava precisando de 20 ingressos para a decisão do Campeonato Carioca, entre Vasco e Flamengo. Foi a isca para pedir à Justiça a autorização para grampear o suspeito. Em meio à investigação, a polícia obteve mais de 50 mil registros telefônicos. 

'Estão escondendo os autos', critica advogado 
O advogado Alexandre Correa, que representa o franco-argelino Mouhamadou Lamine Fofana, queixou-se da dificuldade em obter informações sobre o inquérito. Entre quarta e sexta-feira, ele foi à delegacia, ao Ministério Público e ao gabinete do Juizado do Torcedor para ter acesso aos autos e elaborar a defesa. Lamine Fofana e os outros dez suspeitos tiveram a prisão temporária prorrogada na semana passada. "O meu cliente está preso e eu ainda não sei qual a acusação formal. A impressão que tenho é que estou sempre um passo atrás. Estão escondendo os autos e negando o direito de defesa do suspeito que está preso", criticou. 

O delegado Fábio Barucke disse que o advogado pode ter acesso a peças não sigilosas do inquérito, que será enviado ao Ministério Público com pedido de prisão preventiva amanhã. Segundo ele, o advogado não entrou com petição pedindo vistas ao inquérito. Lamine Fofana foi flagrado em uma escuta telefônica obtida com exclusividade pelo DIA, em conversa com o empresário Roberto de Assis Moreira, irmão e empresário do jogador Ronaldinho Gaúcho. No diálogo de cinco minutos, no dia 17 de junho, Assis pergunta por ingressos oferecidos a dois amigos dele. "Dois amigos seus me ligaram e tivemos um pequeno problema. Ele me ligou e, 15 dias depois, achou que o ingresso era o mesmo. E eu não sou cambista", respondeu o franco-argelino.

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