27/08/2014

Código Michelangelo é aula de anatomia.

 Dois pesquisadores da Unicamp acreditam ter desvendado uma lição secreta de anatomia humana do artista renascentista Michelangelo escondida no teto da Capela Sistina.

Concluídos há cerca de 500 anos, os afrescos de cores vibrantes pintados no famoso santuário do Vaticano são considerados uma das mais importantes obras de arte do mundo e retratam cenas bíblicas como "A criação de Adão", em que Deus toca no dedo de Adão.

O médico Gilson Barreto e o químico Marcelo de Oliveira acreditam que Michelangelo também registrou seu conhecimento detalhado sobre anatomia em 34 dos 38 painéis do teto. Da maneira como vêem, um tronco de árvore não é apenas um tronco de árvore, mas um tubo brônquico. E uma bolsa verde em uma cena na verdade é um coração humano.

A chave para encontrar os numerosos órgãos, ossos e vísceras humanas constituiu primeiro decifrar um "código" que, acreditam eles, foi deixado pelo artista florentino. Em essência, há um grupo de pistas, algumas sutis, outras nem tanto, como por exemplo a direção para qual aponta uma figura.

"Por que isso nunca havia sido percebido antes? Primeiro, porque pouquíssimas pessoas têm conhecimento anatômico suficiente para ver essas peças como tal. Eu faço isso porque essa é minha profissão", disse Barreto, que é cirurgião.

DESCOBERTAS DO PASSADO

Barreto e o amigo Oliveira não foram os primeiros médicos a observar descrições dos órgãos humanos na Capela Sistina, a igreja do Vaticano onde ocorrem as eleições dos papas.

Há quinze anos, o médico norte-americano Frank Mashberger ressaltou que a imagem de Deus e dos anjos ao redor dele no painel "A Criação de Adão" parecia um corte sagital do cérebro humano.

Ele acredita que Michelangelo estava comparando a dádiva de Deus da alma para Adão com o dom divino da inteligência para a humanidade.

Ao arrumar seu escritório para mudar de casa, Barreto esbarrou com a teoria de Meshberger. "Eu disse a mim mesmo: 'Se há um cérebro, ele certamente não pintou só um cérebro. Deve haver outras coisas", contou Barreto.

Analisando livros e fotos da capela à noite, Barreto disse ter encontrado outras cinco ou seis imagens de anatomia. Ele mostrou suas descobertas a Oliveira no dia seguinte e os dois prosseguiram com as investigações por três meses.

O projeto culminou com o livro "Arte Secreta de Michelangelo: uma Lição de Anatomia na Capela Sistina", publicado pela editora ARX no ano passado, que vendeu até agora 50 mil exemplares. O livro está sendo negociado para publicações portuguesa, espanhola e norte-americana.

Durante a pesquisa, eles descobriram que outro médico dos EUA, Garabed Eknoyan, havia percebido o desenho de um rim num painel intitulado "A separação das águas e da terra."

DECIFRANDO O CÓDIGO

Por fim, Barreto e Oliveira chegaram à conclusão de que Michelangelo deixou mensagens codificadas em cada painel para ajudar as pessoas a encontrar a parte do corpo escondida.

Algumas pistas são temáticas, como em "A Criação de Adão" ou "A Criação de Eva", nas quais um tronco parece um tubo brônquico e o manto lilás de Deus é a representação de um pulmão quando visto de um lado. Pode-se dizer que Deus está conferindo o "sopro de vida" à Eva na cena, afirmou Barreto.

Outra parte do código é observar o que estão fazendo as figuras em volta do personagem principal.

Na cena "Sibila Cumana", dois querubins abraçam uma mulher musculosa representado um oráculo mitológico. Um querubim coloca as mãos no peito do outro. Ao mesmo tempo, outros quatro querubins embaixo de um pilar pintado levantam os braços e mostram o peito.

De acordo com Barreto e Oliveiro, uma bolsa com a lateral vermelha com rolos de papel dentro pendurada ao lado da sibila é a representação de um coração, do diafragma e da aorta.

Algumas vezes Michelangelo "aponta" para a parte escondida do corpo. Na "Sibila Líbia", um querubim apontando para os ombros dele está ao lado de uma mulher que vira, com os ombros em destaque. Outros dois querubins entre os pilares apontam para os seus ombros.

Se olhados de ponta-cabeça, a dobra do vestido da sibila e a parte de baixo do tronco dela parecem o osso de um braço, o úmero e a cavidade glenóide.

"Nós consideramos que na verdade é uma linguagem muito infantil, porque é todo sobre aparência, luz e sinalização", disse Barreto.

Ao comparar lado a lado as pinturas com fotografias da anatomia do corpo, a teoria de Barreto e Oliveira é concebível, embora alguns pares exijam um pouco de criatividade.

Alguns podem achar que é preciso muita criatividade.

"O problema, e os historiadores da arte também são guiados por isso, é que simplesmente nós em geral vemos o que queremos ver", disse Dennis Geronimus, especialista em arte renascentista da New York University, que teve a oportunidade de examinar alguns pares "decodificados" de Barreto e Oliveira.

A proposta deles, diz ele, "estende a evidência visual para muito além do vocabulário próprio de Michelangelo de poses, gestos e relações simbólicas".

Com efeito, por que Michelangelo esconderia os desenhos de órgãos humanos na Capela Sistina?

Barreto e Oliveira dizem não ter certeza, mas é sabido que Michelangelo e outros artistas renascentistas eram obcecados por anatomia e pelo corpo humano. Há também outros exemplos de artistas "ocultando" objetos em suas pinturas, em imagens que podem ser vistas apenas de uma determinada perspectiva.

Mesmo assim, os dois pesquisadores enviaram o livro a historiadores da arte e especialistas em anatomia de Portugal para que dessem sua opinião e planejam saber o que o Vaticano pensa disso.

"Não estamos aqui de brincadeira. Acreditamos que isso é uma grande descoberta para as artes", afirmou Barreto. "A única coisa que queremos fazer é espalhar o conhecimento."









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