26/10/2014

Gravações e mensagens revelam detalhes da prisão de 16 PMs no Rio


Dayzer foi preso (Foto: Reprodução/TV Globo)Dayzer era o comandante do batalhão da Ilha do Governador. em 13/10/2014A investigação que prendeu 16 PMs suspeitos de extorsão na Ilha do Governador, no Rio, prova que a relação do 17° Batalhão com o tráfico era muito intensa. Sob o comando do coronel Dayser Corpas, policiais eram proibidos de reprimir a venda de drogas, o transporte alternativo clandestino de vans e Kombis e mototaxistas ilegais na região. Gravações de conversas entre policiais e criminosos e trocas de mensagem por celular obtidas pelo Fantástico mostram que a principal mercadoria à venda pelos policiais era a omissão.Na quarta-feira (8), o coronel Dayzer Corpas foi escolhido pela Polícia Militar do Rio de Janeiro para ser o subchefe do Comando de Policiamento Especializado. Ele deixava de comandar um único batalhão, o da Ilha do Governador, para ser o responsável por outros seis. Porém, não chegou a assumir o cargo. Na manhã seguinte ele foi preso em casa - uma mansão com vista para a Baía de Guanabara.
A prisão do oficial, juntamente com 15 de seus subordinados, é a conclusão de uma investigação que durou sete meses. Todos foram acusados pelo sequestro de dois criminosos, pelos quais exigiram R$ 300 mil pelo resgate. O crime fazia parte de um esquema de extorsão estabelecido pelo comandante do batalhão.No dia dezesseis de março, policias comandados por Dayzer Corpas montam uma operação que foi um sucesso. Eles pararam um carro numa das principais estradas do Rio de Janeiro, perto do aeroporto internacional, o Galeão. Os policiais prendem três traficantes e apreenderam um fuzil e 18 granadas, conforme está no registro da ocorrência. Porém, os policiais omitiram informações importantes do caso.Uma câmera de segurança que registrou toda a ação mostra que havia cinco criminosos no carro abordado pelos PMs. Já as câmeras internas das viaturas também revelam que havia mais armas do que eles apresentaram. Além das granadas, eram quatro fuzis - três foram colocados no banco de trás do carro da polícia, enquanto o quarto ficou nas mãos de um dos policiais.
Em uma das gravações dá para ver um dos traficantes. O policial virou a câmera que deveria gravar o interior da viatura. Mas ela ficou apenas de cabeça pra baixo e continuou gravando a ação. Nas imagens é possível ver que dois criminosos estão no banco de trás.

A resposta sobre o paradeiro dos dois traficantes e das três armas que não chegaram à delegacia foram obtidas por meio da troca de mensagens de textos por comparsas dos criminosos naquela noite.

Traficante 1: 'Rodou' 5, mas conseguimos soltar 2: o Palermo e o Belo.
Traficante 2: Correto, irmão, foi de noite?
Traficante 1: (Foi às) 7 horas, correto. Fui lá. Teve o desenrolo, irmão

Segundo a polícia, o "desenrolo" - na linguagem dos bandidos - foi uma negociação em dinheiro para soltar os traficantes. Em vez de levar os cinco criminosos para a delegacia, os policias sequestraram dois deles e cobraram R$ 300 mil dos bandidos para libertá-los.

Foi o que descobriu a investigação conjunta da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio, do grupo do Ministério Público que combate o crime organizado (Gaeco) e da Promotoria de Auditoria Militar.
Para o promotor Paulo Roberto Mello Cunha, não há dúvida nenhuma sobre o pagamento do resgate. "A informação que nós temos, foi possível apurar no inquérito, é que esse dinheiro foi dividido entre, na verdade, todos os policiais que participaram da ação. Segundo as informações, R$ 40 mil teriam sido destinados para o comandante do batalhão e essa quantia foi dividida em valores menores para os denunciados que participaram mais diretamente do sequestro", disse.

Conforme apontaram as investigações, esse não foi o único crime dos agentes que deveriam fazer cumprir a lei. Nas escutas telefônicas, feitas com autorização da justiça, os policiais também negociam um preço para os três fuzis voltarem às mãos dos bandidos. O criminoso fala em nome do chefe do tráfico.

Traficante: Tá querendo quanto em tudo?
Policial: Cento e setenta.
Traficante: Tem como dar uma moral para ele agora, pra ele pagar em três vezes em tudo?
Policial: Três vezes em tudo?
Traficante: É, cento e cinquenta.
Policial: Pô, aí não é... e também não é com um cara aqui só, entendeu? É um monte de gente envolvida. Aí, porra... 14 pessoas, mané.
Traficante: Pô, vê com os caras aí, que eu tô falando com ele aqui.
Policial: Tá. Já é. Daqui a pouco te passo um rádio, então.
Traficante: Já é.

A investigação prova que a relação do batalhão com o tráfico era ainda mais intensa. O depoimento de um policial do batalhão envolvido no esquema e que colaborou com as investigações revela que o comandante Dayser cobrava caro para não cumprir suas obrigações.
"Havia um acordo entre o tráfico e o comando da unidade. E esse acordo impedia que os policiais exercessem ali a repressão contra o tráfico de drogas e as demais irregularidade lá na Ilha do Governador. Existia sempre no próprio gabinete, na própria unidade, algumas festas meio que comemorando a chegada desse dinheiro aí", contou o PM delator do esquema.
Na delação premiada, o policial diz que "o coronel Corpas recebe aproximadamente de 120 mil a 150 mil reais, sendo que esta receita seria exclusivamente proveniente do tráfico de drogas do morro do dendê".

"O próprio bandido é quem comanda o batalhão", afirmou o PM que colabora com as investigações. Na porta do gabinete usado por Corpas no 17º BPM uma frase estampada sugere o que acontecia naquela unidade policial: "A tropa é o espelho do comandante".

"Ele [coronel Dayzer Corpas] era chefe do esquema, chefe do esquema criminoso. Isso ficou bem claro pra gente durante as investigações. Ele não só teve ciência, tinha ciência do ocorrido, como ele levava parcela financeira dele indevida pela ausência de repressão. Então isso está diretamente ligado a ele", disse subsecretário de inteligência Fábio Galvão.
De acordo com o depoimento do policial, a propina paga no batalhão chegava também aos oficiais da alta cúpula da Polícia Militar. Segundo ele contou, era na sede do Comando Geral da PM, em dias e horas marcados, que o dinheiro era entregue.

O policial disse que ouviu da boca de outros policiais lotados no 17º Batalhão que o dinheiro da propina seria entregue durante as reuniões que ocorrem nas segundas ou sextas-feiras, na parte da manhã. El diz que não pode provar tal fato, mas que se trata de um comentário generalizado.

"É a segunda vez, em menos de um mês, que há denúncias de pagamento de propina, de remessa de quantias indevidas, para o Estado Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Denúncias essas que merecem ser investigadas", disse o promotor do Gaeco Alexander Araújo de Souza.

"O que eu posso te dizer é que todos os fatos estão sendo apurados com todo o rigor. É uma investigação que não é fácil, ela envolve muitas informações e que a gente tem que verificar tudo sem correr o risco de errar", declarou o subsecretário de inteligência Fábio Galvão.



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