14/12/2014

Laureado com o Prêmio Camões, o escritor e diplomata Alberto da Costa e Silva, fala, em entrevista ao sobreCultura, sobre a história e a cultura da África e sua relação com o Brasil, temas aos quais se dedicou por décadas.

Alberto da Costa e Silva
Ele é um poeta, também um historiador. Naquele apartamento primorosamente decorado com temas tribais, que dividem espaço com as mais variadas formas de arte africana, não restam dúvidas de que Alberto da Costa e Silva é um apaixonado pelo continente a que dedicou boas décadas de sua vida. A história da África permaneceu esquecida por muitos séculos. E, no Brasil, talvez nenhum outro autor tenha se dedicado com tanto entusiasmo ao resgate desse legado que definiu parte significativa de nossa cultura.

Ele foi também diplomata. A serviço, viajou para destinos pouco usuais, que seriam jornadas de fundamental importância para alcançar o entendimento profundo de um continente outrora visto como terra de apenas mazelas, tristeza e desolação.

Pelo conjunto de sua obra, Costa e Silva ganhou este ano o Prêmio Camões. A láurea, concedida pelos governos de Brasil e Portugal, homenageia escritores que tenham contribuído notavelmente para o enriquecimento do patrimônio literário da língua portuguesa. Entre os já agraciados com a mesma honraria figuram nomes como Dalton Trevisan, José Saramago, Lygia Fagundes Telles e outros luminares de nossa literatura. A seguir, esse africanista compartilha algumas de suas lembranças. E permite entender a razão pela qual, segundo alguns, ele é o mais africano dos brasileiros.

Entrevista...
O senhor disse, certa vez, que para entender o Brasil é preciso entender a África. Por quê? 
Por um motivo muito simples: o escravo não nasceu no navio negreiro. Quando foi lá colocado, à força, trazia consigo seus costumes, seus hábitos, sua maneira de viver e entender o mundo. Trazia sua história. Os africanos chegaram aqui em tamanha quantidade, que havia tanto aquele que sabia fazer uma casa quanto aquele que sabia explorar o ouro e aquele que sabia cultivar o inhame. Trouxeram técnicas, maneiras de pensar. Suas crenças, assombrações, cantigas, maneiras de sentar, servir, comer, caminhar, comportar-se, formar família... Tendo sido eles tão numerosos, como entender o Brasil sem compreender como eram as Áfricas, do outro lado do Atlântico? A presença africana, assim como a presença indígena em nossa cultura, está nas coisas mais essenciais.

Ainda assim, no Brasil, o currículo escolar muitas vezes ignora a maior parte da história da África e de nossos povos nativos. Por que, em nossa educação, temos dado muito mais ênfase ao legado europeu? 
Porque nós nos queríamos europeus. Achávamos que éramos europeus exilados nos trópicos. Homens de ciência e de alta cultura, porém, sabiam que não era assim. Por três séculos, o predomínio da Europa no mundo todo foi tão evidente que ela praticamente impôs uma europeização do mundo. Se formos à China, hoje, veremos gente de paletó e gravata. Se formos a uma sala de concerto no Japão, ouviremos Beethoven. Essa europeização também aconteceu no Brasil. Muitos iam estudar na Europa, e acabamos bastante atrelados aos padrões europeus.

O senhor tem dois livros de literatura infantojuvenil (Um passeio pela África, publicado em 2006; e África explicada aos meus filhos, de 2008). O que o motivou a produzir obras para esse público? 
Foram dois livros escritos por encomenda. O primeiro, pequenininho e muito bem ilustrado, é para crianças de 10 ou 11 anos de idade. É a história de uma viagem por algumas cidades da África atlântica; a obra mostra como é diversa e interessante a vida nesses países, e destaca que eles não são todos iguais. O segundo livro, é parte de uma coleção para explicar determinados assuntos para rapazes e moças. São títulos como Idade Média explicada aos meus filhos, Teatro explicado aos meus filhos… E a proposta era que eu escrevesse África explicada aos meus filhos. Tentei explicar aspectos essenciais do continente africano: geografia, ocupação humana, antigos impérios, colonização europeia, descolonização, apartheid, entre outros assuntos. Quis desfazer a ideia de que a África é um continente só de mazelas, tristeza, pobreza e desolação.

O continente africano é vastíssimo. É possível falar em uma 'literatura africana'? Há traços comuns que podem dar alguma unidade à produção literária daquele continente? 
A literatura africana é extremamente rica. Mas veja: a literatura africana de língua inglesa é diferente da literatura africana de língua francesa; e diferente da literatura africana em língua portuguesa. Em geral, não há uma unidade cultural africana. Mas há uma unidade ampla. Como você se refere à literatura europeia, por exemplo? Ela é a soma da inglesa, com a francesa, com a russa, com a alemã e por aí vai. São todas diferentes, mas há um conceito globalizante que nos permite compreender todas essas literaturas como parte de um contexto maior.
Na realidade, as literaturas não devem ser definidas por países ou continentes. Isso é um equívoco. Elas devem ser definidas por suas línguas. Assim nos situamos melhor. Na África, há autores célebres. O nigeriano Chinua Achebe (1930-2013) é um deles. A literatura africana de língua portuguesa também é riquíssima: em Cabo Verde, temos Germano Almeida; em Moçambique, Mia Couto; e, em Angola, Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido como Pepetela. Eu poderia citar dezenas de nomes, mas não vou ficar fazendo lista de autores.

Este ano, o senhor foi laureado, pela sua obra literária, com o Prêmio Camões. O que achou da homenagem? 
Esse prêmio foi algo totalmente inesperado. Mas soube de algo que me deixou muito feliz: quando os jurados analisavam os candidatos e alguém mencionou o meu nome, os africanos disseram algo como "Ei, esse é dos nossos". Sentiram que estavam premiando um brasileiro que também era africano.

Para os próximos anos, algum projeto literário ou intelectual em vista?
Sim: escrever o terceiro volume da minha história da África. O primeiro é A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. O segundo é A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700. Agora estou escrevendo o último volume.
São 22 capítulos previstos. Já escrevi 10. A ideia é falar sobre o período entre 1700 e 1914. Depois disso, é história contemporânea, e nessa área eu não me meto, pois não tenho a perspectiva necessária para estudá-la. 

Previsão para finalizar esse terceiro volume? 
Não sei. Espero não morrer antes. Estou com 83 anos. Vamos ver.

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