24/02/2015

A moeda de R$ 1 nunca valeu tão pouco em 10 anos

SARJETA Marianne, o nome da face da moeda de R$ 1. Em dez anos, ela nunca valeu tão pouco (Foto: Rogério Casssimiro/ÉPOCA)
Ponha a mão na carteira ou nos bolsos e procure pela Marianne – nome daquela efígie da República que estampa o anverso da maioria das moedas de R$ 1 que circulam no país. Com preguiça? Não vale o esforço? Pois é. Pobre Marianne: está definitivamente abandonada. Veste um prata com bordas douradas, mas ninguém dá mais bola a ela. Em dez anos, jamais valeu tão pouco. Não bastasse o quadro de inflação aguda, que lhe acomete com cada vez mais gravidade, Marianne enfrenta uma concorrência impiedosa. Trata-se de seu primo rico, o dólar, cuja cotação chegou a R$ 2,90 nesta segunda-feira, dia 23. A última vez que o dólar se aproximou de valor tão alto foi no dia 25 de outubro de 2004, quando chegou a R$ 2,88. Marianne está prestes a conhecer o mesmo desprezo concedido pelos brasileiros aos colegas mirrados dela, como o diplomata barão do Rio Branco (R$ 0,50) e o primeiro presidente da República, Deodoro da Fonseca (R$ 0,25). Há destinos mais cruéis. Se a economia brasileira prosseguir rumo ao bueiro, Marianne será uma das primeiras a chegar a ele. Ou ficará esquecida nas sarjetas, sujeita aos bicos desdenhosos dos ébrios, intempérie comum na vida do dentista Tiradentes (moeda de R$ 0,05) e do descobridor Pedro Álvares Cabral (R$ 0,01), o sumido.
O triste fim de Marianne deve-se a duas doenças. A primeira vem de longe. Chama-se "depreciação cambial", no linguajar desalmado dos economistas. Nasce nos Estados Unidos, cujo banco central, o Fed, deu sinais de que subirá os juros. Essa expectativa leva grandes investidores a pegar economias depositadas em países em desenvolvimento, como o Brasil, e transferi-las para lugares mais seguros, como os Estados Unidos. Marianne, coitada, não está imune nem ao que acontece na longínqua China – a economia do país asiático deverá crescer menos que o esperado neste ano. Se a China, o maior parceiro comercial do Brasil, crescer menos, o Brasil também crescerá menos – e sobrará para Marianne. Ela se desvalorizou mais que a lira (Turquia), o iene (Japão), o peso mexicano e o dólar australiano.
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A segunda doença tem nome simples, mas é tinhosa e avança progressivamente: a inflação. A alta dos preços nos últimos 12 meses superou a marca de 7%, acima do teto da meta da inflação, que é de 6,5%. Somente no mês de janeiro, a inflação atingiu 1,24%: o maior patamar mensal desde 2003. Está ruim, mas vai piorar. Nos próximos meses, haverá aumentos nas contas de luz e de água, graças à escassez desse precioso recurso nos reservatórios pelo país. Somente a conta de luz, sem os subsídios do governo, poderá ficar quase 50% mais cara. Há duas semanas, as previsões para a inflação até o fim de 2015 subiram para 7,15%. Se confirmado, será o maior patamar desde 2004, nos primórdios do governo petista. A soma das duas doenças poderá ser demais para Marianne, figura criada no século XIX pelo artista Éugene Delacroix para encarnar os ideais da República Francesa e que se disseminou mundo afora. De acordo com os cálculos da consultoria Tendências, se a cotação do dólar ultrapassar R$ 3, a inflação poderá chegar perigosamente perto de 8% no acumulado do ano.
 
UTI Uma produção de Mariannes infectadas. Elas sofrem de duas doenças: inflação e depreciação cambial (Foto: Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)


 Marianne encontra-se sob cuidados intensos no Banco Central. Os remédios são dolorosos. Consistem num coquetel de juros altos, para conter o consumo e a alta dos preços. Dói, mas ainda é pouco. O BC deve lançar mão de outros remédios. Um deles é vender dólares aos punhados para que a cotação da moeda americana deixe de subir e pressione ainda mais a inflação.
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O médico que coordena os esforços para salvar Marianne trabalha no Ministério da Fazenda. Joaquim Levy tenta ajudá-la com cortes nos gastos do governo. A medida também serve para atacar a inflação. Levy quer economizar o equivalente a 1,2% do PIB neste ano e 2% em 2016. Mas o Congresso não gosta do remédio. Orientados pelo novo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, os deputados só pensam em gastar. Pretendem barrar as medidas de Levy, a exemplo de cortes em alguns benefícios sociais, como o seguro-desemprego e a pensão por morte. O clima de boicote instalado na Câmara já chegou ao Senado. Por tudo isso, a desconfiança na capacidade de Levy conseguir seu objetivo desgasta Marianne profundamente.
A crise na Petrobras, principal empresa de um setor que responde por 13% do PIB, também abala as expectativas na recuperação de Marianne. Quanto mais a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam, mais as entranhas da corrupção ficam aparentes. Ainda assim, parece que a lama que encobre a empresa não tem fim. A escolha improvisada de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil, para comandar a Petrobras não agradou aos especialistas. Até mesmo no exterior a escolha do executivo foi criticada. As principais dúvidas pairam sobre a capacidade de Bendine pôr a empresa no rumo certo. Se ele conseguir publicar um balanço consistente e transparente da empresa, que contemple os prejuízos causados pela corrupção – algo que vinha sendo adiado – , as suspeitas sobre ele poderão se dissipar.
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Apesar de tantas frustrações, Marianne deve perseverar. Ela ainda é querida e popular. São 2,7 bilhões de Mariannes em circulação. Há ainda outros quase 90 milhões de parentes próximos – moedas especiais, comemorativas de R$ 1. Entre elas algumas cunhadas em homenagem à Olimpíada do Rio de Janeiro. Marianne ajuda milhões de pessoas a realizar pequenos negócios diariamente. E ela não sai barato. Cada unidade fabricada custa 35% de seu valor de face. Tudo de que Marianne precisa para sair dessa é continuar sob a atenção permanente do doutor Levy e seus assistentes. Marianne sonha com o dia em que voltará a brilhar, como nos bons tempos de Plano Real, há 20 anos. Comparações com Pedro Álvares Cabral? Nunca mais.

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