02/02/2015

Quase 300 árvores estão sendo cortadas para revitalização da Marina da Glória no Aterro .

O barulho constante de motosserras num patrimônio público, encravado na Zona Sul do Rio, vem chamando a atenção de quem costuma passear ou fazer atividades físicas no Aterro do Flamengo. Pouco a pouco, arbustos e árvores vão tombando, dando lugar a um solo estéril. Reflexo de um megaprojeto de modernização do espaço para as Olimpíadas, as mudanças — necessárias para a construção de um estacionamento subterrâneo — foram aprovadas por órgãos da prefeitura e do governo federal. Nada menos que 298 árvores na Marina da Glória tiveram seus cortes autorizados pela Secretaria municipal de Meio Ambiente no dia 2 de dezembro.

Como contrapartida, está previsto o replantio de 3.082 mudas, não necessariamente dentro da marina. Caberá ao Executivo municipal indicar os locais que deverão receber as novas árvores até março. As obras vêm sendo tocadas pelo grupo BR Marinas, que comprou a concessão da REX, do empresário Eike Batista, em 2 de junho de 2014.

Um tapume instalado no estacionamento da marina há um mês acabou por suscitar uma onda de preocupações e críticas. Dono de um veleiro e presidente da Associação de Usuários da Marina da Glória (Assuma), José Fernandes se diz surpreendido com a autorização para os cortes. Ele reclama da falta de diálogo da concessionária com a entidade e, embora elogie o projeto de revitalização do único atracadouro público da cidade, garante que não tomou conhecimento dos detalhes paisagísticos da proposta.

— Há três meses, fomos chamados para uma reunião com o grupo BR Marinas, mas só nos disseram que o projeto já tinha sido aprovado. Não entraram em detalhes. Pela proposta apresentada, tudo indica que vão fazer uma marina espetacular. Somos a favor de melhorias. Não sabemos, porém, o que isso vai trazer de malefício para o Parque do Flamengo. Estou surpreso. Há muito espaço para construir lá sem necessidade de suprimir tantas árvores — afirma.

O presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, o arquiteto Washington Fajardo, também se surpreendeu com a grande quantidade de árvores a serem cortadas, mas garantiu que as intervenções "não afetam espécies do projeto paisagístico original", tampouco ferem as concepções de Affonso Eduardo Reidy — o Parque do Flamengo, onde está a Marina da Glória, é tombado desde 1965. Fajardo lembra que a remodelação da marina foi amplamente debatida com a sociedade civil e passou por diversos conselhos.

— O processo de licenciamento foi aprovado por todas as instâncias técnicas, tanto municipais quanto federais. Houve participação da sociedade civil. As obras vão permitir o resgate do bosque de piquenique previsto na proposta original e hoje com vegetação não coerente com a proposta de Burle Marx — disse, acrescentando que os cortes estão mais concentrados na área do estacionamento.

OBRAS VÃO ATÉ FEVEREIRO DE 2016

Ainda de acordo com Fajardo, uma outra área precisará ser momentaneamente descaracterizada para a construção de uma nova rampa de acesso para as embarcações. Procurado pelo GLOBO, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) confirmou que as intervenções no meio ambiente foram todas autorizadas. No último dia 30, um fiscal do órgão fez vistoria no local e, "a princípio", não verificou irregularidades. A assessoria do Iphan Rio informou que as árvores estão dentro da área a ser construída e que "sua retirada estava prevista no projeto aprovado por Brasília".

Orçado em R$ 60 milhões, o projeto de revitalização visa à modernização do espaço para os Jogos do ano que vem. A Marina da Glória vai ser o principal palco para as competições de vela.

Entre as iniciativas que compõem a "plástica" do espaço, estão o aumento da área de restaurantes e a expansão do número de vagas para embarcações. Hoje, são 167 vagas para barcos dentro d'água e 73 em terra — totalizando 240. Passarão a ser 655 (415 na água e 240 em terra), um crescimento de 173%. Já o número de lojas passará de 40 para 24 (redução de 40%). Atualmente, 400 usuários são sócios da marina.

As obras vão se estender até fevereiro de 2016. O projeto é assinado pelo arquiteto Eduardo Mondolfo, que trabalhou com Oscar Niemeyer (1907-2012) e é autor de prédios conhecidos, como o do Shopping Leblon e o do Hotel Fasano. As intervenções ocupam uma área de 12,2 mil metros quadrados.

Ilustração de como ficará o projeto após as obras 

A concessionária BR Marinas explica que arbustos e árvores de diversos tamanhos terão de ser retirados — até agora, apenas parte do total de 298 foi arrancada — para possibilitar a construção de um estacionamento no subsolo. Além disso, informa a empresa, será necessário criar um espaço para manobra de máquinas. O grupo, que assumiu a administração da marina em julho de 2014, acrescenta que há um projeto de paisagismo para o local já aprovado e assinado pelo escritório de Burle Marx. A concessionária não informou, porém, quantas árvores serão mantidas no espaço e nem a quantidade de novas plantas previstas no projeto de modernização.

FREQUENTADORES DO PARQUE FAZEM CRÍTICAS

A assessoria da BR Marinas afirma ainda que, no fim de novembro passado, fez uma ampla exposição do projeto aos donos de barcos e disse estranhar as críticas a respeito da falta de diálogo.

Em meio a mais uma polêmica envolvendo a marina, frequentadores do Parque do Flamengo reclamam do novo visual. A personal trainer Mariana Ribeiro Lima, de 28 anos, costuma levar os clientes para correr e andar de bicicleta no Aterro e não aprovou os cortes.

— Fiquei surpresa quando cheguei cedo com dois alunos para uma sessão de atividades na semana anterior ao Natal. Em vez do canto dos pássaros, ouvimos o barulho das motosserras, usadas para derrubar árvores no estacionamento. Um desrespeito à natureza — criticou.

O advogado Carlos Augusto Leitão, de 32 anos, também foi crítico:

— Estranhei quando vi operários cercando com tapumes a área de estacionamento. Acho que não queriam chamar a atenção para evitar que o corte das árvores fosse denunciado.

OUTRAS PROPOSTAS DE REFORMA FORAM SUSPENSAS

Esta é a quinta proposta para revitalizar a Marina da Glória desde que a prefeitura transferiu a gestão da área à iniciativa privada, em 1996. Nos últimos 19 anos, o espaço já foi administrado por três empresas, que precisam repassar um percentual das receitas líquidas à prefeitura: Empresa Brasileira de Terraplenagem e Engenharia (EBTE), REX (de Eike Batista) e BR Marinas. Bombardeados por críticas e questionamentos do Ministério Público Federal, os quatro projetos anteriores ficaram no papel, suspensos pela Justiça ou condenados pelo Iphan, porque ampliavam a área construída, esbarrando nas regras de tombamento do Parque do Flamengo.

Fundado em 1999 pelo empresário Antônio Carlos Lobato, o grupo BR Marinas é considerado hoje líder do setor. Além do espaço na Glória, opera outras três marinas em Angra dos Reis (Velrome, Piratas e Bracuhy). A empresa foi a primeira a operar um sistema integrado de marinas e hoje administra mais de cinco mil vagas para barcos, principalmente no Rio. Em 2012, o grupo passou a atuar também nos Estados Unidos. Em associação com empresários da Flórida, administra a Palm Bay Club & Marina, com 51 embarcadouros, em North Miami.

Dirigida por Gabriela Lobato, filha do fundador, a empresa também tem projetos em andamento para marinas em Itacuruçá, Paraty e Búzios.

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