22/02/2015

Com aportes da União, aposentados da Varig voltam a receber aposentadoria integral.

  Manifestação de aeronautas aposentados no aeroporto Santos Dumont  Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo
Da Barra a Bacaxá. Parece trecho de viagem aérea. Mas descreve o "voo" em que Délio Moreira da Cunha, aposentado pela Varig, precisou embarcar. Após a liquidação do Aerus, fundo de pensão dos funcionários da Varig e da Transbrasil, em 2006, o benefício dele minguou até chegar a apenas 8% do valor que deveria receber.

— Vendi meu apartamento no Rio e vim morar com minha mulher na casa dela em Bacaxá, distrito de Saquarema. Comprei um táxi. Passei a tirar meu sustento das diárias de aluguel do carro — contou Cunha, hoje com 78 anos.

Este mês, o aposentado e os dez mil beneficiários do Aerus tiveram um refresco. O fundo voltou a pagar integralmente o benefício previdenciário. Os depósitos, feitos no último dia 3, são retroativos a setembro de 2014, quando o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, com sede em Brasília, condenou a União a antecipar o crédito devido, embora o processo ainda continue a tramitar na Justiça. A decisão judicial está atrelada a um processo que responsabiliza o governo federal pela quebra do fundo. A briga se arrasta há mais de uma década na Justiça Federal, iniciada com uma ação civil pública do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) e da Associação dos Aposentados e Pensionistas da Transbrasil.

COBRANÇA DE ATRASADOS

Em dezembro, o Congresso aprovou um Projeto de Lei (PLN 31/14) abrindo crédito de R$ 248,26 milhões ao Ministério da Previdência Social para cumprir decisão do desembargador Daniel Paes Ribeiro. Ele determinou que a União faça aportes mensais para que o Aerus mantenha os pagamentos de complementação de aposentadorias, pensões e auxílio-doença como eram feitos antes da liquidação do fundo. Os valores de setembro a janeiro já foram pagos. E o pagamento de fevereiro — a folha do Aerus é de R$ 33,5 milhões por mês — já foi depositado.

— É uma vitória para os participantes e para o Aerus, que passou a pagar benefício integral, que é o objetivo do fundo. A partir de março, o depósito da União estará previsto no orçamento federal de 2015 — afirmou José Pereira Filho, interventor do Aerus.

Para o ex-comandante da Varig e secretário de Assuntos Previdenciários do SNA, Zoroastro Ferreira Lima Filho, o pagamento traz um alívio. Ele se preocupa, porém, com as brigas que os participantes do Aerus ainda têm pela frente:

— Com o que recebi, paguei dívidas, pois já estava praticamente sem recursos. Mas ainda temos uma disputa pelos pagamentos atrasados desde 2006 para enfrentar.

DEZ MIL APOSENTADOS SEM BENEFÍCIOS

Aos 84 anos, Zoroastro integra a metade dos beneficiários que contribuiu com base no valor que desejava receber na aposentadoria. É a porção mais afetada, que teve o benefício resumido a 8% do valor mensal.

No caso do ex-piloto, isso se traduziu em menos de um salário mínimo por mês, usado quase que integralmente na compra de remédios. Do INSS, recebe perto de R$ 2,5 mil. Por sorte, o orçamento familiar é reforçado pelo benefício da mulher de Zoroastro, funcionária pública aposentada. Ainda assim, precisou se desfazer de bens para manter minimamente o padrão que pensava ter garantido para quando deixasse de trabalhar.



A outra metade dos aposentados e pensionistas do Aerus tem o benefício calculado com base no valor da contribuição. E situação um pouco melhor, recebendo 50% do que deveriam. O aeroviário Ronaldo Correa do Amaral, que se aposentou em 2003 e tem 65 anos, está neste grupo. Do INSS, ele recebe o equivalente a três salários mínimos, embora tenha contribuído sobre oito.

— Minha situação não é das mais graves. Mesmo assim, precisei me desfazer de todas as minhas economias para me manter durante esse tempo. Estou completamente descapitalizado — lamenta. — Mas outros colegas vivem realidade pior, precisando recorrer à solidariedade de amigos e igrejas, pedindo doações de cestas básicas.

Um grupo de cerca de dez mil pessoas — que inclui funcionários que estavam na ativa quando o fundo foi liquidado, em 2006, e herdeiros de assistidos que morreram após essa data — não recebem benefícios do Aerus. No caso dos herdeiros, o rateio do crédito foi suspenso pelo fundo.

— É uma situação grave. As pessoas estão envelhecendo. Muitas estão morrendo. Já são mais de mil óbitos desde 2006. Hoje, o custo da ação para o governo federal já atinge R$ 19 bilhões. No entanto, o Aerus precisa de R$ 8 bilhões para pagar integralmente seus assistidos — destaca o advogado Lauro Thaddeu Gomes, do escritório Castagna Maia, que representa o SNA e a Associação dos Aposentados e Pensionistas da Transbrasil.

PERDAS COM O PLANO CRUZADO

Para ele, a decisão de antecipação de crédito para o Aerus é uma vitória ainda parcial, comparado ao que é preciso garantir para todos os participantes do fundo. Os funcionários da ativa e os herdeiros também não estão contemplados na antecipação de recursos decidida em setembro.

O interventor do Aerus explica que a situação destes grupos não se encaixa com exatidão nos limites da decisão judicial. José Pereira já levou o questionamento quanto à situação dos herdeiros à Justiça. Aos funcionários da ativa no período do fechamento do fundo restará aguardar o julgamento final da ação. Se saírem vitoriosos, terão direito a sacar indenização equivalente ao valor acumulado em contribuições.

Constituído em 1982, o Aerus tinha três fontes de custeio: as empresas, os trabalhadores e 3% da tarifa dos bilhetes domésticos. Este último item deixou de ser repassado em 1991.

No fim dos anos 1980, a Varig pediu socorro ao governo, alegando perdas financeiras causadas pelo Plano Cruzado, que congelou o preço das passagens aéreas. A companhia propôs suspender os aportes no Aerus temporariamente; a União concordou. Esse contrato foi renovado 21 vezes. A Transbrasil recorreu a esta mesma estratégia, com oito contratos.

Por ter permitido essas repactuações, o governo agora está sendo responsabilizado pelo pagamento. A Justiça entende que os órgãos de fiscalização deveriam ter interferido na gestão do Aerus assim que as empresas sinalizaram a crise. Em vez disso, a União autorizou que o patrimônio dos participantes fosse usado para garantir as operações das aéreas.


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